Em agosto de 2016, a decisão inédita da Juíza Dra. Andréa Ferraz Musa, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo, trouxe a uma novidade que gerou repercussão no meio jurídico: a possibilidade de requerer a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação-CNH e a apreensão do passaporte do executado como medida coercitiva objetivando a liquidação de uma execução.
Para tanto, a julgadora utilizou o inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil de 2015, o qual explica que o juiz dirigirá o processo, podendo “IV – Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Referido artigo, que não tinha previsão no antigo Código de Processo Civil, visa ampliar os poderes dos magistrados na busca da efetividade das determinações judiciais e ainda dar garantia de efetividade ao resultado pretendido no processo.
No caso em tela, em sede de Habeas Corpus, esta decisão interpretada como coação ilegal. Ainda que a mesma ofenderia a liberdade de ir e vir consagrada no artigo 5º, XV da Constituição Federal e do preceito do artigo 8º do próprio CPC/2015 que determina que ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Por isso, em segundo grau, teve concedida liminar pela 30ª Câmara de Direito Privado do TJSP, suspendendo a decisão da juíza a quo.
Por outro lado, há também decisões de que o uso da CNH e do passaporte pelo executado implica em nítida fraude contra credores, já que, apesar da condição de devedor, o executado continua utilizando-se de veículos automotores em nome de terceiros e por vezes inclusive fazendo viagens ao exterior, conforme explica o Desembargador Rubens Rihl.
De qualquer sorte, tais medidas não poderão ser aplicadas indiscriminadamente, sendo necessária que a situação se enquadre em critérios de excepcionalidade, a fim de evitar abusos em face dos direitos de personalidade do executado, devendo ainda serem proporcionais e de forma menos gravosa ao executado, conforme o artigo 805 do CPC/2015.
Não se pode negar a enorme gama de possibilidades que o artigo 139, IV do CPC/2015 trás, visando garantir a efetividade da execução, mas, para que sejam utilizadas as restrições aqui citadas, é indispensável que haja o esgotamento de todos os meios tradicionais para a satisfação do débito, além de indícios claros de que o devedor utiliza-se de meios fraudulentos para negar o direito do exequente.
Curitiba, 06 de fevereiro de 2017.
Felipe Mariani, pós-graduado em Direito Empresarial e Thaysa Prado, professora universitária e Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia. Sócios do Prado Mariani Advogados Associados. contato@pradomariani.com.br
Fonte:
BRASIL. 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo. Execução de Título Extrajudicial nº 4001386-13.2013.8.26.0011. Exequente:Grand Brasil Litoral Veículos e Peças Ltda. Executado: M.A.S. Juíza: Dra. Andrea Ferraz Musa. São Paulo, 25 de agosto de 2016.
BRASIL. 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Habeas Corpus nº 2183713-85.2016.8.26.0000. Impetrante:Milton Antonio Salerno. Impetrado: Juíza de Direito Dra. Andrea Ferraz Musa. Relator: Dr. Marcos Ramos. São Paulo, 9 de setembro de 2016.
BRASIL. 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 2257601-87.2016.8.26.0000. Agravante:Ministério Público do Estado de São Paulo. Executado: S.E.D.S. e Outros. Relator: Dr. Rubens Rihl. São Paulo, 19 de dezembro de 2016.